«AMARÁS O SENHOR TEU DEUS
COM TODO O TEU CORAÇÃO,
COM TODA A TUA ALMA
E COM TODAS AS TUAS FORÇAS»
2105. O dever de prestar a Deus
um culto autêntico diz respeito ao homem individual e socialmente. Esta é «a
doutrina católica tradicional sobre o dever moral que os homens e as sociedades
têm para com a verdadeira religião e a única Igreja de Cristo» (25). Ao
evangelizar incessantemente os homens, a Igreja trabalha para que eles possam
«impregnar de espírito cristão as mentalidades e os costumes, as leis e as
estruturas da comunidade em que vivem» (26). É dever social dos cristãos
respeitar e despertar em cada homem o amor da verdade e do bem. Esse dever
exige que tornem conhecido o culto da única verdadeira religião que subsiste na
Igreja católica e apostólica (27). Os cristãos são chamados a ser a luz do
mundo (28). A Igreja manifesta assim a realeza de Cristo sobre toda a criação,
e em particular sobre as sociedades humanas (29).
2106. «Que em matéria religiosa
ninguém seja forçado a agir contra a própria consciência, nem impedido de
proceder dentro dos justos limites segundo a mesma, em privado e em público, só
ou associado com outros» (30). Este direito funda-se na própria natureza da
pessoa humana, cuja dignidade a leva a aderir livremente à verdade divina, que
transcende a ordem temporal: e por isso, «permanece mesmo naqueles que não
satisfazem a obrigação de buscar e aderir à verdade» (31).
2107. «Se, em razão das
circunstâncias particulares dos diferentes povos, se atribui a determinado
grupo religioso um reconhecimento civil especial na ordem jurídica, é
necessário que, ao mesmo tempo, se reconheça e assegure a todos os cidadãos e
comunidades religiosas o direito à liberdade em matéria religiosa» (32).
III. «Não terás outros deuses perante Mim»
2110. O primeiro mandamento
proíbe honrar outros deuses, além do único Senhor que Se revelou ao seu povo: e
proíbe a superstição e a irreligião. A superstição representa, de certo modo,
um excesso perverso de religião; a irreligião é um vício oposto por defeito à
virtude da religião.
A SUPERSTIÇÃO
2111. A superstição é um desvio
do sentimento religioso e das práticas que ele impõe. Também pode afetar o
culto que prestamos ao verdadeiro Deus: por exemplo, quando atribuímos uma
importância de algum modo mágica a certas práticas, aliás legítimas ou
necessárias. Atribuir só à materialidade das orações ou aos sinais sacramentais
a respectiva eficácia, independentemente das disposições interiores que exigem,
é cair na superstição (39).
A IDOLATRIA
2112. O primeiro mandamento
condena o politeísmo. Exige do homem que não acredite em outros deuses além de
Deus, que não venere outras divindades além da única. A Sagrada Escritura está
constantemente a lembrar esta rejeição dos «ídolos, ouro e prata, obra das mãos
do homem, que «têm boca e não falam, têm olhos e não veem...». Estes ídolos
vãos tornam vão o homem: «sejam como eles os que os fazem e quantos põem neles
a sua confiança» (Sl 115, 4-5.8) (40). Deus, pelo contrário, é o «Deus vivo»
(Js 3, 10) (41), que faz viver e intervém na história.
2113. A idolatria não diz
respeito apenas aos falsos cultos do paganismo. Continua a ser uma tentação
constante para a fé. Ela consiste em divinizar o que não é Deus. Há idolatria
desde o momento em que o homem honra e reverencia uma criatura em lugar de
Deus, quer se trate de deuses ou de demónios (por exemplo, o satanismo), do
poder, do prazer, da raça, dos antepassados, do Estado, do dinheiro, etc., «Vós
não podereis servir a Deus e ao dinheiro», diz Jesus (Mt 6, 24). Muitos
mártires foram mortos por não adorarem «a Besta» (42), recusando-se mesmo a
simularem-lhe o culto. A idolatria recusa o senhorio único de Deus; é, pois,
incompatível com a comunhão divina (43).
2114. A vida humana unifica-se na
adoração do Único. O mandamento de adorar o único Senhor simplifica o homem e
salva-o duma dispersão ilimitada. A idolatria é uma perversão do sentido
religioso inato no homem. Idólatra é aquele que «refere a sua indestrutível
noção de Deus seja ao que for, que não a Deus» (44).
ADIVINHAÇÃO E MAGIA
2115. Deus pode revelar o futuro
aos seus profetas ou a outros santos. Mas a atitude certa do cristão consiste
em pôr-se com confiança nas mãos da Providência, em tudo quanto se refere ao
futuro, e em pôr de parte toda a curiosidade malsã a tal propósito. A
imprevidência, no entanto, pode constituir uma falta de responsabilidade.
2116. Todas as formas de
adivinhação devem ser rejeitadas: recurso a Satanás ou aos demónios, evocação
dos mortos ou outras práticas supostamente «reveladoras» do futuro (45). A
consulta dos horóscopos, a astrologia, a quiromancia, a interpretação de
presságios e de sortes, os fenômenos de vidência, o recurso aos
"médiuns", tudo isso encerra uma vontade de dominar o tempo, a
história e, finalmente, os homens, ao mesmo tempo que é um desejo de conluio
com os poderes ocultos. Todas essas práticas estão em contradição com a honra e
o respeito, penetrados de temor amoroso, que devemos a Deus e só a Ele.
2117. Todas as práticas de magia
ou de feitiçaria, pelas quais se pretende domesticar os poderes ocultos para os
pôr ao seu serviço e obter um poder sobrenatural sobre o próximo – ainda que
seja para lhe obter a saúde – são gravemente contrárias à virtude de religião.
Tais práticas são ainda mais condenáveis quando acompanhadas da intenção de
fazer mal a outrem ou quando recorrem à intervenção dos demônios. O uso de
amuletos também é repreensível. O espiritismo implica muitas vezes práticas
divinatórias ou mágicas; por isso, a Igreja adverte os fiéis para que se acautelem
dele. O recurso às medicinas ditas tradicionais não legitima nem a invocação
dos poderes malignos, nem a exploração da credulidade alheia.
A IRRELIGIÃO
2118. O primeiro mandamento da
Lei de Deus reprova os principais pecados de irreligião: tentar a Deus por
palavras ou atos, o sacrilégio, a simonia.
2119. Tentar a Deus consiste em pôr à prova,
por palavras ou atos, a sua bondade e a sua omnipotência. Foi assim que Satanás
quis que Jesus se atirasse do templo abaixo, para com isso forçar Deus a
intervir (46). Jesus opôs-lhe a Palavra de Deus: «Não tentarás o Senhor teu
Deus»(Dt 6, 16). O desafio contido em semelhante tentação a Deus fere o
respeito e a confiança que devemos ao nosso Criador e Senhor, implicando sempre
uma dúvida relativamente ao seu amor, à sua providência e ao seu poder (47).
2120. O sacrilégio consiste em
profanar ou em tratar indignamente os sacramentos e outras ações litúrgicas, bem
como as pessoas, as coisas e os lugares consagrados a Deus. O sacrilégio é um
pecado grave, sobretudo quando é cometido contra a Eucaristia, pois que, neste
sacramento, é o próprio corpo de Cristo que Se nos torna presente
substancialmente (48).
2121. A simonia (49) define-se
como a compra ou venda das realidades espirituais. A Simão, o mago, que queria
comprar o poder espiritual que via operante nos Apóstolos, Pedro responde: «Vá
contigo o teu dinheiro para a perdição, porque julgaste poder adquirir por
dinheiro o dom de Deus» (At 8, 20). O apóstolo conformava-se, assim, à Palavra
de Jesus: «Recebestes de graça, pois dai gratuitamente» (Mt 10, 8) (50). É
impossível alguém apropriar-se dos bens espirituais e comportar-se a respeito
deles como proprietário ou dono, pois eles têm a sua fonte em Deus, e só d'Ele
se podem receber gratuitamente.
2122. «Além das ofertas
determinadas pela autoridade competente, o ministro nada peça pela
administração dos sacramentos, e tenha o cuidado de que os pobres, em razão da
pobreza, não se vejam privados do auxílio dos sacramentos» (51). A autoridade
competente fixa essas «oblações» em virtude do princípio segundo o qual o povo
cristão tem o dever de contribuir para o sustento dos ministros da Igreja. «O
trabalhador merece o seu sustento» (Mt 10, 10) (52).
O ATEÍSMO
2123. «Muitos [...] dos nossos
contemporâneos não percebem esta íntima e vital ligação a Deus, ou até a
rejeitam explicitamente; de tal maneira que o ateísmo deve ser considerado um
dos factos mais graves do tempo atual» (53).
2124. A palavra «ateísmo» abrange
fenômenos muito diversos. Uma forma frequente dele é o materialismo prático,
que limita as suas necessidades e ambições ao espaço e ao tempo. O humanismo
ateu julga falsamente que o homem «é para si mesmo o seu próprio fim, o único
artífice e demiurgo da sua própria história» (54). Uma outra forma do ateísmo
contemporâneo é a que espera a libertação do homem exclusivamente através duma
libertação econômica e social, à qual «a religião, por sua mesma natureza, se
oporia, na medida em que, dando ao homem a esperança duma enganosa vida futura,
o afasta da construção da cidade terrena» (55).
2125. Na medida em que nega ou
rejeita a existência de Deus, o ateísmo é um pecado contra a virtude da
religião (56). A imputabilidade desta falta pode ser largamente diminuída,
atendendo às intenções e às circunstâncias. Na gênese e difusão do ateísmo, «os
crentes podem ter tido parte não pequena, na medida em que, pela negligência na
educação da sua fé, ou por exposições falaciosas da doutrina, ou ainda pelas
deficiências da sua vida religiosa, moral e social, se pode dizer que mais
esconderam do que revelaram o autêntico rosto de Deus e da religião» (57).
2126. Muitas vezes, o ateísmo
funda-se num falso conceito da autonomia humana, levado até à recusa de
qualquer dependência em relação a Deus (58). No entanto, «o reconhecimento de
Deus de modo nenhum se opõe à dignidade do homem, uma vez que esta se funda e
se realiza no próprio Deus» (59). A Igreja sabe que «a sua mensagem está de
acordo com os desejos mais profundos do coração humano» (60).
O AGNOSTICISMO
2127. O agnosticismo reveste
muitas formas. Em certos casos, o agnóstico recusa-se a negar Deus. Postula,
pelo contrário, a existência dum ser transcendente, incapaz de Se revelar e do
qual ninguém seria capaz de dizer fosse o que fosse. Em outros casos, não se
pronuncia sobre a existência de Deus, declarando ser impossível prová-la, e até
afirmá-la ou negá-la.
2128. O agnosticismo pode, por
vezes, encerrar uma certa busca de Deus. Mas pode igualmente representar um
indiferentismo, uma fuga perante a questão última da existência e uma preguiça
da consciência moral. Com muita frequência, o agnosticismo equivale a um
ateísmo prático.
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