Peregrinação de Nossa
Senhora da Cristandade 2018.
Homilia da Missa de
Segunda-feira de Pentecostes.
Catedral Nossa Senhora
de Chartres.
Segunda-feira 21 de
maio de 2018.
Permitam-me em primeiro
lugar agradecer calorosamente Sua Excelência D. Philippe Christory, bispo de
Chartres pela seu acolhimento nesta maravilhosa Catedral.
Queridos peregrinos de
Chartres,
“A luz veio ao mundo,”
diz-nos hoje o evangelho, “e os homens preferiram as trevas.”
E vocês, queridos
peregrinos, acolheram a única luz que não engana? Acolheram a luz de Deus?
Vocês caminharam por três dias. Rezaram, cantaram, sofreram debaixo do sol e da
chuva… Acolheram a luz em vossos corações? Renunciaram realmente às trevas?
Escolheram seguir o Caminho, seguindo Jesus que é a luz do mundo?
Queridos amigos,
permitam-me fazer essa pergunta radical, porque se Deus não é a nossa luz, tudo
o resto se torna inútil. Sem Deus tudo é escuridão.
Deus veio até nós, e se
fez homem. Revelou-nos a única verdade que salva, foi morto para nos resgatar
do pecado, e no Pentecostes, deu-nos o Espírito Santo e ofereceu-nos a luz da
fé… mas nós preferimos as trevas!
Olhemos ao nosso redor!
A sociedade ocidental decidiu organizar-se sem Deus. Ela está agora entregue às
luzes cintilantes e enganadoras da sociedade do consumismo, do lucro a qualquer
preço, do individualismo sem medida.
Um mundo sem Deus é um
mundo de trevas, de mentiras, e de egoísmo.
Sem a luz de Deus a
sociedade ocidental tornou-se como um barco sem rumo na noite! Ela já não tem
amor para receber os filhos, para os proteger desde o seio materno, para os
preservar da agressão da pornografia.
Privada da luz de Deus,
a sociedade ocidental já não sabe respeitar os seus idosos, nem acompanhar no
caminho da morte os seus doentes, nem dar lugar aos mais pobres e aos mais
fracos.
Ela foi entregue às
trevas do medo, da tristeza e do isolamento. Não tem mais do que um vazio e um
nada para oferecer. Deixa proliferar as ideologias mais loucas.
Uma sociedade ocidental
sem Deus pode tornar-se o berço de um terrorismo ético e moral mais viral e
mais destrutivo do que o terrorismo dos islamistas. Lembrem-se que Jesus nos
disse: “Não temais aqueles que matam o corpo e não podem matar a alma, antes
tenham medo Daquele que pode fazer perecer a alma e o corpo no inferno.” (Mt
10, 28)
Queridos amigos,
perdoem-me esta descrição, mas é preciso ser claro e realista. Se eu vos falo
assim, éporque no meu coração de padre, de pastor, eu sinto muito por tantas
almas perdidas, tristes, inquietas e sozinhas!
Quem as conduzirá à
luz?
Quem lhes mostrará o
caminho da verdade, o verdadeiro caminho da liberdade que é o caminho da Cruz? Vamos
deixá-las entregar-se ao erro, ao niilismo sem esperança ou ao islamismo
agressivo sem fazer nada?
Nós devemos gritar ao
mundo que a nossa esperança tem um nome: Jesus Cristo, o único Salvador do
mundo e da humanidade!
Queridos peregrinos da
França, vejam esta catedral! Os vossos antepassados construíram-na para
proclamar a sua fé!
Tudo, desde a sua
arquitetura, a sua escultura, os seus vitrais, proclama a alegria de ser salvo
e amado por Deus. Os vossos antepassados não eram perfeitos, eles não estavam
livres de pecado. Mas eles queriam deixar a luz da fé iluminar as suas trevas!
Hoje também vós, povo
da França, acordai!
Escolham a luz!
Renunciem às trevas!
Como?
O evangelho nos
responde: “Aquele que agir segundo a verdade vem para a luz”. Deixemos a luz do
Espírito Santo iluminar as nossas vidas concretamente, simplesmente, e até às
regiões mais íntimas de nosso ser profundo.
Agir segundo a verdade
é em primeiro lugar colocar Deus no centro da nossa vida, como a Cruz é o
centro desta catedral.
Meus irmãos, escolhamos
voltarmo-nos para Ele todos os dias!
Agora, assumimos o
compromisso de reservar todos os dias alguns minutos de silêncio para nos
voltarmos a Deus, para lhe dizer: “Senhor reina em mim! Eu Te entrego a minha
vida!”
Queridos peregrinos,
sem silêncio não há luz. As trevas alimentam-se do barulho incessante do mundo,
que impede-nos de nos voltarmos para Deus.
Tomemos como exemplo a
liturgia de hoje. Ela nos leva à adoração, ao temor filial e amoroso perante a
grandeza de Deus.
Ela culmina na
consagração, onde todos juntos, voltados para o altar, o olhar fixo na
Eucaristia, na cruz, comunicamos em silêncio, no recolhimento e na adoração.
Queridos irmãos, amemos
essas celebrações litúrgicas que nos fazem saborear a presença silenciosa e
transcendente de Deus e nos fazem voltar para o Senhor.
Queridos irmãos padres,
eu quero dirigir-me especialmente a vós. O Santo Sacrifício da Missa é o lugar
onde vocês encontrarão a luz para o vosso ministério. O mundo em que vivemos
pede a nossa atenção sem cessar. Nós estamos constantemente em movimento, sem nos
preocuparmos de parar para tomar o tempo de procurar um lugar deserto e
descansar um pouco, na solidão e no silêncio, na companhia do Senhor. Grande
seria o perigo de nos encontramos somente como “trabalhadores sociais”. Então,
nós não daríamos mais a luz de Deus mas a nossa própria luz, que não é aquela
que os Homens esperam. Aquilo que o mundo espera dos padres é Deus e a Luz da
sua Palavra proclamada sem ambiguidade nem falsificação.
Saibamos voltar-nos
para Deus numa celebração litúrgica recolhida, cheia de respeito, de silêncio e
marcada pela sacralidade.
Não inventemos nada na
liturgia, recebamos tudo de Deus e da Igreja.
Não procuremos nela o
espetáculo ou o sucesso. A liturgia ensina-nos: Ser sacerdote não é, em
primeiro lugar, fazer muito, mas sim estar com o Senhor na cruz!
A liturgia é o lugar
onde o homem encontra Deus cara a cara. A liturgia é o momento mais sublime
onde Deus nos ensina a “reproduzir em nós a imagem do seu filho Jesus Cristo
para que ele seja o primogénito de umamultidão de irmãos” (Rm 8, 29). Ela não é
nem deve ser uma ocasião de rutura, de luta ou de disputa.
Na forma ordinária,
assim como na forma extraordinária do rito romano, o essencial é voltarmo-nos
para a Cruz, para Cristo, nosso Oriente, nosso Tudo e nosso único Horizonte!
Seja de que forma for, ordinária ou extraordinária, saibamos sempre celebrar
como neste dia, segundo ensina o Concílio Vaticano II: Com uma nobre
simplicidade, sem sobrecargas inúteis, sem estética fictícia e teatral, mas com
o sentido do sagrado, a preocupação primeira da glória de Deus, e com um
verdadeiro espírito de filhos da Igreja de hoje e de sempre!
Queridos irmãos
sacerdotes, guardem sempre esta certeza: estar com Cristo na cruz, é isso que o
celibato sacerdotal proclama ao mundo! O projeto, de novo proposto por alguns,
de desamarrar o celibato do sacerdócio conferindo o sacramento da ordem aos
homens casados (os viri probati) por, dizem eles, “razões ou necessidades
pastorais” teria graves consequências, na verdade, de romper com a tradição
apostólica. Nós fabricaríamos um sacerdócio à nossa medida humana, mas não
perpetuaríamos, não prolongaríamos o sacerdócio de Cristo, obediente, pobre e
casto. De facto, o sacerdote não é somente um “alter Christus” mas ele é
verdadeiramente “Ipse Christus”, ele é o próprio Cristo!
E é por isso que o
caminho para seguir a Cristo e a Igreja será sempre um sinal de contradição!
A vocês queridos
cristãos leigos, comprometidos na vida da Cidade, eu quero dirigir-me com
força: “não tenham medo! Não tenham medo de levar a esse mundo a luz de
Cristo!”
O vosso primeiro
testemunho deve ser sempre o vosso exemplo: Ajam segundo a verdade! Nas vossas
famílias, na vossa profissão, nas vossas realidades sociais, económicas,
políticas, que seja Cristo a vossa Luz!
Não tenham medo de
testemunhar que a vossa alegria vem de Cristo!
Eu vos peço, não
escondam a fonte da vossa esperança! Pelo contrário, proclamem, testemunhem,
Evangelizem! A Igreja precisa de vós! Lembrem a todos que somente “Cristo
crucificado revela o sentido autêntico da liberdade!” (São João Paulo II,
Veritatis Splendor, 85).
Com Cristo, libertem a
liberdade hoje acorrentada pelos falsos direiros humanos, todos orientados para
a autodestruição do Homem.
A vós, queridos pais,
quero dirigir uma mensagem bem particular. Ser pai e mãe de família no mundo de
hoje é uma aventura cheia de sofrimentos, de obstáculos e preocupações. A Igreja vos diz: obrigada! Sim, obrigada
pela doação generosa de vós mesmos!
Tenham a coragem de
educar o vossos filhos na luz de Cristo. Terão às vezes que lutar contra os
ventos dominantes, suportar a zombaria e o desprezo do mundo. “Nós proclamamos
um Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os pagãos.” (1
Cor 1, 23-23)
Não tenham medo! Não
renunciem! A Igreja, pela voz dos Papas – especialmente todos desde a Encíclica
Humanae Vitae, vos confia uma missão
profética: testemunhar perante todos a nossa alegria e confiança em Deus que
fez de nós Guardiões Inteligentes da ordem natural. Vocês anunciam aquilo que
Jesus nos revelou com a sua própria vida: “a liberdade realiza-se no amor, isto
é, na doação de si mesmo.”
Queridos pais e mães de
família, a Igreja vos ama! Amem também vós a Igreja! Ela é a vossa Mãe. Não se
misturem com quem dela faz troça porque eles somente vêm as rugas do seu rosto
envelhecido pelos séculos de sofrimentos e provas. Ainda hoje, Ela é bela e
brilha de santidade.
Por fim, quero agora
dirigir-me a vocês, os mais jovens, que estão aqui em tão grande número!
No entanto, peço-vos
que escutem um “velho” que tem mais autoridade do que eu: o evangelista São
João. Para além do exemplo da sua vida, São João deixou também uma mensagem
escrita aos mais jovens. Na sua primeira carta, nós encontramos estas palavras
emocionantes de um velho aos jovens das igrejas que ele tinha fundado, escutem
a sua voz cheia de vigor, de sabedoria e de calor: “Eu escrevi para vós,
jovens: vocês são fortes, a palavra de Deus permanece em vós, vocês venceram o
Mal. Não amem o mundo, nem aquilo que está no mundo” (1 Jo 2, 14-15).
O mundo que nós não
devemos amar, comentava o padre Raniero Cantalamessa na sua homilia da
sexta-feira Santa de 2018, é aquele ao qual não nos devemos conformar; não é,
como sabemos, o mundo criado e amado por Deus, não são as pessoas do mundo para
quem, pelo contrário, devemos sempre ir, especialmente aos pobres e aos últimos
dos pobres para amá-los e servi-los humildemente… Não! O mundo que não devemos
amar é outro: o mundo tal como ele se tornou sob o domínio de Satanás e do
pecado. O mundo das ideologias que negam a natureza humana e destroem as
famílias… as estruturas como a das Nações Unidas, que impõem uma nova ética
mundial têm um papel decisivo e tornaram-se hoje um poder avassalador que chega
às massas através das possibilidades ilimitadas da tecnologia. Em muitos países ocidentais, hoje é um crime
rejeitar submeter-se a essas ideologias horríveis. É a isso que chamamos a
adaptação ao espírito do tempo, o conformismo. Um grande poeta britânico,
crente do século passado, Thomas Stearnus Eliot escreveu três versos que dizem
muito mais do que livros inteiros: “Num mundo fugitivo, aquele que vai na
direção oposta terá sido visto como um desertor.”
Queridos jovens
cristãos, se é permitido a um “velho”, como o foi São João, dirigir-se
diretamente a vocês, também eu vos exorto, e digo-vos: vocês venceram o Mal.
Combatam toda a lei contrária à natureza que hoje querem impor, oponham-se a
toda lei contra a vida, contra a familia. Sejam aqueles que tomam a direção
contrária! Atrevam-se a ir contra a corrente! Para nós cristãos, a direção contrária
não é um lugar, é uma Pessoa, é Jesus Cristo nosso Amigo e nosso Redentor. Uma
tarefa é confiada muito particularmente a vocês: salvar o amor humano da
trágica deriva na qual ele caiu. O amor que já não é a doação de si mesmo, mas
possuir o outro quase sempre violenta e tiranicamente. Na cruz, Deus revelou-se
como «agape» isto é, como amor que se entrega a si mesmo até a morte.
Amar verdadeiramente é
morrer pelo outro, como esse jovem policial francês Coronel Arnaud Beltrame!
Queridos jovens, vocês
experimentam sem dúvida, nas vossas almas, a luta das trevas e da luz. Vocês
são às vezes seduzidos pelos prazeres fáceis do mundo.
De todo o meu coração
de padre, eu digo-vos, não estejam divididos! Jesus vos dará tudo! Seguindo-o
para serem Santos, vocês não perdem nada! Vocês ganham a única alegria que não
dececiona nunca!
Queridos jovens, se
hoje Cristo vos chama a segui-l’O como sacerdote, religioso ou religiosa, não
hesitem! Digam «Fiat»! Um “Sim” entusiasta e sem condições.
Deus quer precisar de
vocês! Que graça, que alegria!
O Ocidente foi
evangelizado pelos Santos e pelos Mártires. Vocês, jovens de hoje, vocês serão
os santos e os mártires que as nações esperam para uma nova evangelização! As
vossas pátrias tem sede de Cristo , não as dececionem! A Igreja confia em
vocês!
Eu rezo para que muitos
de vocês respondam, hoje, nesta missa ao chamamento de Deus para segui-l’O, a
deixar tudo por Ele, pela sua Luz.
Queridos jovens, não
tenham medo, Deus é o único amigo que não faltará nunca.
Quando Deus chama ele é
radical, isso quer dizer que ele vai até o fim, até à raiz. Queridos amigos,
nós não somos chamados a ser cristãos medíocres! Não, Deus chama-nos
inteiramente até ao fim, à doação total, até ao martírio do corpo ou do coração.
Querido povo da França,
tem sido os mosteiros os que fizeram a civilização do vosso país! Tem sido os
homens e mulheres que aceitaram seguir Jesus radicalmente até o fim que
construiram uma civilização bela e pacífica, como esta catedral.
Povo da França, povos
do Ocidente, vocês não encontrarão a paz e a alegria se não buscarem somente a
Deus! Voltem à Fonte! Voltem aos mosteiros! Sim, vocês todos atrevam-se a
passar alguns dias num mosteiro! Neste mundo de tumulto, fealdade e tristeza,
os mosteiros são oásis de beleza e alegria. Verão que é possível colocar Deus
no centro de toda a nossa vida. Experimentarão a alegria que não passa!
Queridos peregrinos,
renunciemos às trevas. Escolhamos a luz!
Peçamos à Santíssima
Virgem Maria que nos ensine a dizer «Fiat», a dizer Sim plenamente como ela,
que saibamos acolher a luz do Espírito Santo como ela. Neste dia em que graças
às disposições do Santo Padre, o Papa Francisco, nós festejamos Maria mãe da
Igreja, pedimos a essa Mãe Santíssima que tenhamos um coração ardente para
anunciar aos homens a Boa Nova, um coração generoso, um coração grande como o
de Maria, com as dimensões da Igreja, com as dimensões do Coração de Jesus!
Que assim seja.
Robert Cardinal Sarah
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