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Misericórdia de Deus em chamar o pecador à penitência.


Laboravi clamans; raucae factae sunt fauces meae – “Cansei-me chamando; enrouqueceram-se as minhas fauces” (Ps. 68, 4)


Sumário. Depois da queda de Adão, quão pasmados não deviam ficar os anjos ao ver que Deus o ia buscando e quase chorando o chamava! O mesmo tem Deus feito para conosco chamando-nos a si por meio de suas inspirações, dos remorsos da consciência, das práticas, das tribulações, da morte dos nossos amigos, ou de inúmeros outros modos. Parece que perdeu a voz a chamar-nos. E nós, como é que temos respondido?... Ah, meu irmão, lembramo-nos de que o Deus que agora nos chama, será um dia nosso juiz e juiz inexorável.


I. Quando Adão se revoltou contra o Senhor, e depois, envergonhado do seu pecado, fugiu da presença de Deus, que pasmo deve ter causado aos anjos o verem como Deus ia à procura dele e como chorando o chamava: Adam, ubi es (1) – “Adão, onde estás?”


“Estas palavras”, comenta Pereira, “são o grito do pai aflito que procura o filho que perdeu.” Quantas vezes não tem Deus feito o mesmo por ti, meu irmão! Fugias para longe de Deus e Deus te ia chamando, ora com inspirações, ora com remorsos da consciência, ora com as prédicas, ora com tribulações, ora com a morte de teus amigos. Parece que Jesus Cristo se refere a ti quando diz: Cansei-me chamando; enrouqueceram-se as minhas fauces – Meu filho, quase perdi a voz a chamar-te. “lembrai-vos, ó pecadores”, diz Santa Teresa, “de que o Senhor que vos chama é o mesmo que um dia vos deve julgar.”


Meu irmão, quantas vezes te fizeste surdo para Deus que te chamava? Merecias que não te chamasse mais. Mas não, teu Deus não deixou de te chamar continuamente, porque queria celebrar paz contigo e salvar-te. Ó céus! Quem é que te chamava? Deus de majestade infinita. E quem eras tu, senão um verme miserável e nojento! E para que é que te chamava? Unicamente para te fazer sair da tua tibieza, para te restituir à vida da graça que tinhas perdido: Revertimini et vivite (2) – “Voltai e vivei”.


Para alcançar a graça divina, seria pouco passar no deserto a vida inteira e Deus te proporcionou a ocasião de a obter, se o quisesses, num instante, com um ato de contrição; e tu recusavas. Apesar de tudo, Deus não te abandonou, procurou-te como a chorar, e dizendo-te: Meu filho, porque é que te queres condenar? Et quare moriemini, domus Israel? (3)


II. Quando o homem comete pecado mortal, expele Deus da sua alma (4). Que faz Deus, porém? Conserva-se à porta daquela alma ingrata (5), e parece rogar que lh´a venham abrir (6). De tanto rogar até se cansa: Laboravi rogans (7) – “Cansei-me rogando”. Sim, diz São Deniz o Areopagita, Deus corre, qual amante desprezado, atrás dos pecadores, rogando-lhes que não se deixem perder. É exatamente o que exprimiu São Paulo, quando escreveu aos seus discípulos: Obsecramus pro Christo: reconciliamini Deo (8) – Em nome de Jesus Cristo vos rogamos que vos reconcilieis com Deus.


É bela a reflexão que São João Crisóstomo faz acerca desta passagem do Apóstolo. Diz que não é o pecador que se há de cansar para mover Deus a fazer paz com ele. É ele que deve fazer paz com Deus; porque é ele, e não Deus, quem evita a paz. – Ah! Como este bom Senhor vai todos os dias atrás de tantos pecadores, dizendo-lhes: “Ingratos, não fujais mais de mim; dizei-me, porque fugis? Quero o vosso bem; meu único desejo é fazer-vos felizes; porque, pois, quereis perder-vos?


Meu amabilíssimo Jesus, eis aqui a vossos pés um ingrato que Vos pede misericórdia. Meu Pai, perdoai-me! Pela bondade que Vos reteve de me abandonar quando Vos fugia, por esta mesma bondade recebei-me agora, que volto para Vós. Detesto mais do que todos os males as injúrias que Vos fiz; aborreço e abomino-as, e uno esta minha detestação ao horror que Vós, meu Senhor, delas tivestes no horto de Gethsemani. Prometo, além disso, nunca mais me apartar de Vós e banir de meu coração todo o afeto terreno, para só Vos amar, a Vós que sois a bondade infinita. † Jesus, meu Deus, amo-Vos sobre todas as coisas e quero sempre amar-Vos e só a Vós amar. Dai-me a força de executar esta resolução. – Ó Maria, minha esperança, vós sois Mãe de misericórdia; rogai a Deus por mim. (*II 73.)


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1. Gen. 3, 9.

2. Ez. 18, 32.

3. Ez. 18,31.

4. Iob. 11, 14.

5. Apoc. 3, 20.

6. Cant. 5, 2.

7. Ier. 15, 6.

8. 2 Cor. 5, 20.


(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo Segundo: Desde o Domingo da Páscoa até a Undécima Semana depois de Pentecostes inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 269-272.)


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