Bento XVI
Encontro com os sacerdotes e os
diáconos em Freising, 14 de setembro de 2006
MATERNIDADE ESPIRITUAL PARA OS SACERDOTES
A vocação a
ser mãe espiritual para os sacerdotes é muito pouco conhecida,
insuficientemente compreendida e portanto pouco vivida, apesar de sua vital
e fundamental
importância. Essa vocação muitas vezes está escondida,
invisível ao
olho humano, mas voltada a transmitir vida espiritual.
Disto tinha
certeza Papa João Paulo II:
por isso ele
quis no Vaticano um mosteiro de clausura onde fosse possível rezar
pelas suas intenções como Sumo
Pontífice.
“O que me tornei e como,
o devo À minha mãe!”.
S. Agostinho
Independentemente
da idade e do estado civil, todas as mulheres podem se tornar mãe espiritual
para um sacerdote e não somente as mães de família. É possível também para uma
mulher doente, para uma moça solteira ou para uma viúva. Em particular isso
vale para as missionárias e as religiosas que oferecem inteiramente a própria
vida a Deus para a santificação da humanidade. João Paulo II agradeceu até
mesmo uma menina pela sua ajuda materna: “Exprimo a minha gratidão também à
beata Jacinta de Fátima pelos sacrifícios e orações oferecidas pelo Santo
Padre, que ela tinha visto em grande sofrimento”. (13 de maio
de 2000).
Cada
sacerdote é precedido por uma mãe, que amiúde também é uma mãe de vida
espiritual para seus filhos. Giuseppe Sarto, por exemplo, o futuro Papa Pio X,
logo depois de ser consagrado bispo foi visitar sua mãe, na época com setenta
anos de idade. Ela beijou respeitosamente o anel do filho e de repente,
tornando-se meditativa, indicou seu pobre anel nupcial de prata: “Sim,
Peppo, mas você agora não estaria usando esse anel se eu antes não tivesse
usado meu anel nupcial”. S. Pio X, justamente, confirmava a partir da sua
experiência: “Cada vocação sacerdotal vem do coração de Deus, mas passa
através do coração de uma mãe!”.
Uma ótima prova disto é a vida de S. Mônica.
Santo Agostinho, seu filho, que aos dezenove anos como estudante em Cartago
havia perdido a fé, escreveu em suas ‘Confissões’:
“... Tu estendeste tua mão do alto e tiraste
minha alma destas densas trevas, pois minha mãe, tua fiel, chorava por mim mais
de quanto não chorem as mães pela morte física dos filhos
… e no entanto, aquela viúva casta, devota,
morigerada, das que são tuas prediletas, já mais animosa graças à esperança,
mas nem por isso menos dada ao pranto, não cessava de chorar frente a ti, em
todas as horas de oração”. Após
a conversão ele disse com gratidão:
“Minha santa mãe, tua
serva, nunca me abandonou. Ela me pariu com a carne para essa vida temporal e
com o coração para a vida eterna. O que me tornei e como, o devo à minha Mãe!”.
Durante suas discussões filosóficas, Santo
Agostinho queria sempre que sua mãe estivesse ao seu lado; ela escutava
atentamente, às vezes intervinha com um parecer delicado ou, para assombro dos
sábios presentes, dava respostas a questões abertas. Portanto não surpreende
que Santo Agostinho se declarasse seu ‘discípulo em filosofia’!
O sonho
de um Cardeal
O
cardeal Nicolau Cusano (1401-1464), bispo de Bressanone, não
foi somente um grande político da Igreja, famoso legado papal e reformador da
vida espiritual do clero e do povo no século XV, mas também um homem do
silêncio e da contemplação. Num “sonho” foi-lhe mostrada aquela realidade
espiritual que
ainda hoje vale para todos os sacerdotes e para todos os homens: o
poder do abandono, da oração e do sacrifício das mães espirituais no segredo dos conventos.
Mãos e corações que se sacrificam
“... Ao entrar numa igreja pequena e muito
antiga, decorada com mosaicos e afrescos dos primeiros séculos, o cardeal teve
uma visão imane. Milhares de religiosas rezavam na pequena igreja. Elas eram
tão gráceis e recolhidas que havia lugar para todas, apesar da comunidade ser
numerosa. As irmãs rezavam e o cardeal nunca tinha visto rezar tão
intensamente. Elas não estavam de joelhos, mas firmes em pé, o olhar não
longínquo, porém fixo num ponto próximo a ele e no entanto invisível aos seus
olhos. Os braços das irmãs estavam abertos e as mãos viradas para o alto, numa
posição de oferecimento”.
O incrível desta visão é que as irmãs seguravam
em sua pobres e delicadas mãos homens e mulheres, imperadores e reis, cidades e
países. Às vezes as mãos apertavam-se ao redor de uma cidade; outras vezes um
país, reconhecível pelas bandeiras nacionais, estendia-se sobre uma muralha de
braços que o sustentavam. Nestes casos também em volta de cada rogadora
expandia-se um halo de silêncio e discrição. A maioria das religiosas, porém
sustentava com as mãos um só irmão ou irmã. Nas mãos de uma jovem e frágil
monja, quase uma menina, o cardeal Nicolau viu o papa. Percebia-se quanto a
carga pesasse sobre ela, mas seu rosto brilhava de felicidade. Sobre as mãos de
uma idosa freira estava ele próprio, Nicolau Cusano, bispo de Bressanone e
cardeal da Igreja romana. Ele reconheceu claramente a si mesmo com suas rugas e
com os defeitos de sua alma e de sua vida. Observava tudo com olhos arregalados
e assustados, mas logo ao susto substituiu-se uma indescritível beatitude. O
guia, que estava ao seu lado, murmurou-lhe: “Veja como apesar de seus
pecados, são ajudados e suportados os pecadores que não deixaram de amar a
Deus!”. O cardeal perguntou: “O que acontece então aos que não amam
mais?”. Repentinamente, sempre acompanhado pelo sua guia, encontrou-se na
cripta da igreja, onde rezavam outras milhares de freiras.
Enquanto aquelas vistas precedentemente sustentavam as pessoas com suas
mãos, estas na cripta as sustentavam com seus corações. Estavam profundamente
envolvidas, pois tratava-se do destino eterno das almas. “Veja, Eminência”,
disse o guia: “assim são suportados aqueles que deixaram de amar. Algumas
vezes acontece que se aquecem com o calor dos corações que se consomem por
eles, mas nem sempre. Às vezes, na hora da morte, passam das mãos daqueles que
ainda os querem salvar para as mãos do Juiz divino, com quem devem
justificar-se inclusive pelo sacrifício que lhes foi oferecido. Nenhum
sacrifício fica sem frutos, mas quem não colhe o fruto que lhe foi oferecido,
amadurece o fruto da ruína”. O cardeal fitou as mulheres vítimas voluntárias.
Ele sempre soubera de sua existência. Nunca porém havia percebido com tanta
clareza o que elas significavam para a Igreja, para o mundo, para os
povos e para cada indivíduo; somente agora, confuso, compreendia. Ele curvou-se
profundamente perante as mártires do amor.
( Congregatio pro Clericis, Adoração Eucarística pela santificação dos sacerdotes e maternidade espiritual, 2007)
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