O coração apinhado
"Outra caiu entre os espinhos, e os espinhos
cresceram e a sufocaram" (Mateus
13:7). Esta parte da história de Jesus sobre o semeador não se refere à
semente lançada sobre uma já visível infestação de ervas, mas ao solo
adulterado com sementes de plantas inúteis e daninhas. O solo é rico, profundo
e receptivo, mas está corrompido. Os espinhos, que não produzirão nada de
bom, simplesmente crescerão para sobrecarregar o solo e enfraquecer a boa
semente até que ela, também, fique infrutífera. Deste solo possuído pelos
espinhos Jesus diz, "O que foi semeado entre os espinhos é o que
ouve a palavra, porém os cuidados do mundo e a fascinação das riquezas
sufocam a palavra, e fica infrutífera" (Mateus 13:22). À
lista dos empecilhos da frutificação, Marcos acrescenta "as demais
ambições" (4:19), e Lucas, "deleites da
vida" (8:14).
Alguns comentadores, especialmente os de tendência
calvinista, descartam este caso como o de um coração não convertido, um que
nunca recebeu a palavra do reino com plenitude de espírito. Isso parece improvável.
No não convertido, nenhuma vida é produzida; a semente apodrece no chão. Aqui
não há somente vida, mas crescimento. O fracasso deriva do que acontece
depois, o crescimento de distrações surgidas da terra, que dividem o coração
e dissipam a energia da alma.
O ponto todo da semente plantada não é o
crescimento de uma planta, ainda que luxuriante, mas a produção de fruto. O
filho do reino do céu não tem somente que parecer bom, mas ser bom e fazer o
bem. O problema com o coração do solo espinhoso é que ele se tornou apinhado
demais com preocupações concorrentes, e a semente de Deus não pode prosperar
num coração dividido.
Quais são os espinhos que podem sangrar
totalmente a vitalidade espiritual de um filho de Deus? Jesus é explícito. Os
cuidados deste mundo podem fazê-lo. Preocupação constante com alimento e
abrigo e o medo de não ter o suficiente não somente difamam a fidelidade de
Deus, mas permitem que ansiedade descuidada roube de Deus as energias que lhe
devemos (Mateus 6:25-34). Os cristãos que exaurem suas forças no temor e
preocupação nunca florescerão, nem darão fruto. Por que nos enganamos? A
preocupação não é somente desgastante, é pecaminosa. Ela diz,
implicitamente, que Deus não nos ajudará e que precisamos nos arranjar sem
ele.
O amor pelas coisas pode também sufocar
efetivamente o espírito. Dinheiro e propriedade podem parecer tão tangíveis,
tão reais e tão asseguradores, mas as riquezas são enganadoras. Elas prometem
realização, porém nunca a dão (Eclesiastes 5:9-10). Elas prometem segurança,
mas batem asas como uma ave selvagem (Provérbios 23:5). Precisamos lidar
praticamente, antes que emocionalmente, com as coisas materiais. Todos sabemos
intelectualmente que elas não duram. Elas são tão efêmeras como uma bola de
neve no verão. Por que um homem seria tão tolo até o ponto de edificar sua
vida na areia? Ainda, muitos cristãos buscam coisas materiais enquanto se
enganam com sua rotina religiosa. Eles apenas acabam como mortos-vivos
espirituais, frequentando a Igreja e fingindo sua
espiritualidade, enquanto seus filhos crescem para a mundanalidade aberta, sem a
fraude religiosa de seus pais. Tais discípulos são plantas decorativas. Não
espere que nada duradouro venha deles.
Finalmente, os "deleites da vida" podem
agir para nos sugar. "O que há de errado com os prazeres?" alguém
pergunta. "A vida do reino tem que ser uma longa dor de cabeça de miséria
e negação de si mesmo?" A resposta à primeira pergunta é:
"nada", à segunda é "não". Nada há de errado com o
trabalhar diligentemente por nosso alimento, ou ter riqueza, ou gozar das coisas
agradáveis que Deus nos deu ricamente (1 Timóteo 6:17). Mas qualquer delas, ou
todas são erradas para aqueles que tem estado "sufocados" por elas,
quando elas se tornaram a paixão de suas vidas. A palavra grega para
"sufocado" em Lucas 8:14 é, mais tarde, no mesmo capítulo, dada como
apertar (8:42). Algumas pessoas deixam que estas coisas intrinsecamente legítimas
as dominem tanto que elas são possuídas e governadas por elas. Preocupações
ou bênçãos legítimas tornam-se em temor, ganância ou ansiedade. Deus e seu
reino estão apinhados até os limites. A voz de Deus se torna velada pelo
clamor. As bênçãos de nosso Pai deveriam ser uma ocasião para seus filhos
agradecerem a ele e servirem-no, mas elas podem facilmente se tornar a causa de
nosso descontentamento e inutilidade.
Aqueles que escolhem o coração dividido, o coração
apinhado, diz Jesus, não darão frutos que amadureçam (Lucas 8:14),
literalmente, nunca levarão até o fim, nunca terminarão a tarefa.
Não podemos ter nenhuma ilusão sobre a atitude
de Jesus para com aqueles que começam, porém nunca terminam. "Ninguém
que, tendo posto a mão no arado, olha para trás, é apto para o reino de
Deus" (Lucas 9:62). Nunca precisamos nos admirar como ele se sente
sobre os indecisos. "Ninguém pode servir a dois senhores... Não
podeis servir a Deus e às riquezas" (Mateus 6:24). E certamente não
temos motivo para duvidar de seu sentimento pelos infrutíferos. "Todo
ramo que, estando em mim, não der fruto, ele o corta..." (João
15:2). Há um futuro no reino de Deus para os simples, ainda que tateantes, mas
para o coração dividido, o coração apinhado, não há esperança. "...
e vós que sois de ânimo dobre, limpai o coração" (Tiago
4:8).
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